Temperança

Meu corpo de água me leva frequentemente a me derramar, feito queda d'água mesmo. Cachoeira furiosa que rege em majestade o curso das águas que lhe interpelam. Mas ela veio e me disse na leveza de uma brisa primaveril: temperança. Disse como um conselho terroso pra um coração exarcado. A vida me exige sobriedade, num tom quase diplomata de ser. Para que eu não diga tudo o que me ponho a dizer e tudo o que tenho dito. A vida me exige equilíbrio para que façam sentido minhas frustrações futuras, como se me levasse a acreditar num karma que nem sempre funciona. A vida pede que eu me dê menos, me coloque menos, me doe menos, me entregue menos e, se possível, fale menos sobre todo esse afeto que me transborda e que, facilmente, derramo sobre quem passa pelo meu caminho. Tudo isso para fazer com que eu sinta apenas o sofrimento que lhe é intrínseco e não mais do que isso. Ora, entrei numa espécie de desafio com a vida para lhe dizer que não me arrependo dos meus exageros, nem vejo suas dores como ameaça. Meu corpo-água me levou aos lugares mais sombrios que já estive, é verdade, mas foi ele também que me fez sentir as emoções mais elevadas que já pude conhecer. Digo isso numa tentativa rebelde de me compreender e compreender esse seu conselho, vida. Não sei ser menos do que sou, mas talvez deva esperar um pouco para ser ainda mais.

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