Amie II

Acordei com aquela sensação de que estava caindo. Ao meu lado, estava uma mulher linda deitada e dormindo como um anjo. Só decidi levantar porque alguém insistia em não entender que eu estava ocupado. Abri a porta e, à minha frente, surgiu a figura de um alguém que eu pensei que não fosse não ver mais. Os lábios rubros tinham um tom velho, gastado. A maquiagem estava aguada. Não tinha chovido. Ela descalça e eu nú. Não quis recebê-la.

Meu sangue fervia. Tive vontade de lhe dizer que estava melhor. Que voltara a escrever, escrever frases mais longas. Com menos drama, com menos dor. Dizer que tinha pintado algumas figuras na parede e não eram vermelhas. Tive vontade, aliás, de gritar. Berrar que estava muito bem sem ela, sem seu inferno astral. Que viajei pra muitos lugares e quebrei muitos corações. E que estava bem.

Mas sua aparição me fez pressentir.
***

Lendo o jornal, no mesmo lugar de sempre, pude sentir que estava em sua mira. Olhei-a. Ela me disse um turbilhão de coisas, palavras sem sentido, sílabas soltas. Continuava lá, estática, amassando seus lábios cansados. V a g a r o a s a m e n t e.

Levantei-me, parecia sóbrio, graças a Deus. Havia acabado de chegar a meu apartamento, ouvi seus passos. Ela entrou. Em tudo.

***
Não era preciso dizer. Mas foi impossível resistir. A sua pele me atraiu como um ímã. Irrecusável.

De novo, havia vermelho nas paredes e eu estava lá. Imerso em um sonho, dentro de outro sonho. Ela me roubou as palavras, não conversava mais. Separava tudo para ela.
***
Um cinzeiro de vidro estilhaçado. Ela chorava continuamente. Negou-se a responder quando perguntei o que havia acontecido. Todas as noites isso se repetia.

Duas vezes perdeu as chaves. Acabou com meus maços. Manchou os meus livros. Perdeu as canetas, esqueceu a cozinha e não fazia nada de diferente.

Ela estava morta.
***
Escrevi e na primeira tentativa parei.

“O que me importa seu amor agora?
Quero minhas frases de volta. Quero ter mais o que dizer.
Cansei”

Adeus.

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