Antigas relações

Decifrava-me com seus mistérios. Que paradoxo foi a nossa juventude. E agora nem isso, os bilhetes que me deixava estavam escritos, no máximo "18h estarei aí". Que espécie de relação é essa? Talvez amor ao próximo, sem querer mal algum, sabe? Mas de bom, já esgotaram as opções. Que mal há em repetir o que se fez há 10 anos? Eu não me importava. Nem lembrava mais o gosto das sensações.

Treze de agosto foi a data de uma das tardes que ele me ligou dizendo que queria me ver às 19h, no parque central. Até estranhei, porque nossas reuniões (e não encontros) eram sempre em bares ou restaurantes. Discretos. O parque era muito nostálgico.

Mas eu nunca fui de passar a mão na cabeça de bandido. Se errou, tem que suportar as consequências. Nunca pedi pra ninguém amenizar meus problemas. Pô, tudo o que passei foi culpa minha. Quando não era, eu dava prejuízo pro culpado.

Beleza. Não vou mentir que fiquei roendo as unhas até dar a hora. Consultei o relógio e faltavam trinta minutos. Foi o tempo de conseguir chegar lá. Sentei no banco do parque e olhei em volta. Estava deserto. Por um segundo, temi o que fosse acontecer. Luciano nunca foi bom das idéias e essas coisas de amor ao próximo era coisa de religião, segundo ele.

Havia passado quinze minutos e ele não apareceu. Meu coração estava pulsando mais rápido. Olhei a rua e o trânsito estava diminuindo. Uns garotos passaram, gritando e saqueando um gringo na esquina.

Olhava entre as árvores e parecia que um cheiro de medo estava vindo no ar. Eu nunca fui de ter medo, mas acreditava, fielmente, em intuição feminina. Mais vinte minutos se passaram e eu já estava aflita. Queria ir embora, porém no fundo sabia que ele viria. Senti um leve sobro nas orelhas, quando olhei para trás era ele. Com o olhar demoníaco de sempre. Prendi o grito e tentei sorrir.

"Estava quase indo embora" - Foi o que consegui dizer. Ele riu, tentando desfazer seu semblante malvado. Mas eu já conhecia. A conversa veio apressada e o ponto central, também. Disse-me que precisava de dinheiro e que sentia saudades do que fazíamos há anos. As parceiras que ele arranjou nesses últimos tempos não eram eficientes. E ninguém mais estava disposto.
Falei pra ele que eu nunca fui de passar a mão na cabeça de bandido e nem ia fazer. Mas ele sempre foi muito persuasivo e me convenceu. Aliás, já tinha me convencido antes mesmo de dizer qualquer coisa. Eu só me mantive durona.
Levei-o para minha casa. Ele ficou deslumbrado com o que eu havia conquistado com muito esforço. Zona sul, claro. Mas tive que pegar no pesado.

Ele riu, distraiu-se com os móveis e disse que se arrependia de ter me deixado. Eu falei que essa coisa de se encontrar só quando ele quer não estava me agradando. Incrível, ele fez todas as minhas vontades. E eu fiz café.

No outro dia, de manhã. Luciano havia escrito uma carta de dez linhas. Grande avanço. Dizendo sobre seus planos para aquela semana. Enquanto ele trabalhava em outros projetos, eu preparava tudo para o que faríamos juntos no sábado.

Na segunda, comprei o necessário. Terça, agendei os lugares. Quarta, fiz umas ligações. Na quinta, convidei amigos. E na sexta, tratei de que ninguém nos atrapalhasse.

Quando chegou sábado, ele acordou sorridente e eu já estava de pé. Ansiosa. Saudosa. Estava marcado para às 22h, perto do restaurante Lola.
Às 21h estávamos, de longe, observando o movimento. Como duas crianças que apreciam a vitrine antes de comprar o doce. Deu 22h, o presidente saiu do restaurante com um segurança, nós o seguimos e batemos de frente com seu carro. Deserto violento. Desesperados, foram nos socorrer. Nessa hora, Luciano deu uma chave de braço no segurança e, em seguida, três tiros. Enquanto eu, no trabalho da mulher, puxei o poderoso chefão pelos cabelos, ameaçando-o de morte.

Se eu tivesse aceitado tudo o que ele me ofereceu, não estaria aqui. Mas eu não abriria mão do meu último suspiro.

Nós o levamos até um terreno distante e o matamos. A perícia publicou para a imprensa três tiros: um na cabeça, um no coração e outro na mão. Mas foram sete. Luciano deu os outros quatro tiros.

Fomos pegos, claro. Não demorou muito. Mas foi maravilhoso. Foi tudo o que eu queria para poder morrer ou ser presa, a mesma coisa. Porque eu fiz o mundo parar. Eu fiz a história mudar. Eu fiz. Minha morte foi por uma boa causa. A minha e de meu eterno parceiro: Luciano, morto com sete tiros. Outros sete, que ironia.

Canalhas! Vocês me pagam...

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2 Comentário(s)

  1. Estou eu aqui a olhar,
    depois de ler,
    a olhar o vazio,
    e ao mesmo tempo a quantidade de expressão,
    de um final completamente inesperado e incrível!

    bjosss

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  2. isto de escrever sobre bandido, acho bacana até...ainda bem que é tudo fruto da imaginação...
    bjs

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